"E repelir como inútil tudo o que não contribuísse para a alegria imediata do coração, porque tinha um temperamento mais sentimental que artístico, procurando emoções e não paisagens..."

v(ida)

terça-feira, janeiro 29, 2013 11:44

Talvez eu ainda não saiba direito o que escrever. Todo o país se chocou com a tragédia em Santa Maria. Tanta gente morta. Tantos planos mortos. Tantos sonhos sufocados. E é claro que eu vou chorar quando fizer as minhas orações e é claro que vou me comover e pensar nos meus pais e na minha família. E os números parecem assustadores, foram mais de duzentos jovens que tiveram as vidas encerradas, mas é que não se trata de um número. São pessoas, são sentimentos, são lembranças, são saudades infinitas. É tudo irreparável e insubstituível. É tudo sem volta. É sem abraço de despedida. E isso dói, ainda que eu esteja do outro lado do país e não conheça nenhuma das vítimas. Dói porque eu tenho a idade das pessoas que morreram, dói porque eu também tenho um irmão adolescente e não consigo imaginar o que seria se algum dia ele estivesse envolvido num desastre como esse. Dói porque eu tenho uma mãe e um pai que se colocam no lugar de todas as mães e pais que perderam seus filhos, uma parte de si mesmos e da esperança em viver.
Se comover não chega nem perto do caos, da verdadeira perturbação, que é perder alguém que se ama para sempre. E eu me sinto bem pequeno diante de toda essa história e diante da vida.

*

Existem pessoas em estado terminal nos leitos de hospital, existem pessoas passando fome e sobrevivendo em condições precárias e desumanas de moradia, higiene e educação, existem pessoas que vivem em zonas de conflito que são a representação do inferno... Essas morrem. A cada dia. Mas existem as outras pessoas. As iguais a mim e a você. E nem somos tão outros quanto pensamos. Nós, eu, você e todos os outros que estavam na boate Kiss, nós também morremos. É inevitável. Engraçado como isso parece ser tão complicado de crer.
Um dia você acorda, cumpre com suas obrigações, telefona pra namorada e pro amigo, visita um parente, decide o que vai fazer no final de semana... E aí você morre. E aí você também morre. Pode soar frio, mas  é dese jeito que o universo funciona. É um mistério do qual nós não fomos convidados a conhecer, nós apenas nos surpreendemos quando ele se revela.
E é difícil de aceitar ou acreditar que pessoas com vidas normais, com padrões, com regularidades, com faculdade, emprego, projeto, coleções (problemas, óbvio)... Que pessoas que foram celebrar a vida ou seja mais o que for numa boate, morreram. Inocentemente. De graça. De uma única vez.

Então eu acho que a gente tem mais é que viver, sabe? Aprender a se perdoar, colocar os fantasmas pra fora. Experimentar coisas novas, uma bebida ou uma carreira. Quebrar a rotina que incomoda, prolongar a que faz bem. Se encontrar com o que existe de melhor na gente mesmo, porque só assim é que pode haver algum tipo de encontro feliz com outra pessoa. A gente tem mais é que encarar a vida.


(Que os familiares das vítimas em Santa Maria consigam se reconstruir. Amém.)